sábado, 8 de março de 2014

Para Reflexão

A CRIANÇA TERCEIRIZADA

cha+de+fralda+criancas+terceirizadas
Antes de ser mãe do Benjamin, eu era mãe de dois cachorros. Para cumprir meu dever de ofício (e para não ter minha casa cheia de xixi e cocô), eu passeava com eles pelo menos uma vez ao dia. Conhecia todos os cachorros da região e seus respectivos donos. Sabia quem era o pai de quem – embora, verdade seja dita, eu só soubesse os nomes dos cachorros. Aquele ali é o dono do Bolota; o outro é o dono do Tobias; e o outro lá é o dono da Lolita. Mas, ainda sem nome, todos nos conhecíamos. Se eu encontrasse determinado cachorro com outra pessoa, ficava preocupada, pois não era o normal.
Pois bem. Hoje sou mãe de um ser humano e afirmo que boa parte dos outros pais eu nunca vi. Pense que isso acontece há 4 anos. Na pracinha, quem está lá é a babá. No pediatra, é a babá. Na escola, de novo, a babá. No shopping, é ela, a babá. Na festa de fim de semana, é vez da babá folguista. Não faço a mínima idéia da cara desses pais.
Outro dia estávamos na praia e encontramos uma amiguinha do Benjamin, cujos pais estavam para mim assim como o Saci Pererê e a Mula sem Cabeça estão para o imaginário popular – sabe-se que existem, mas ninguém nunca viu. Fomos falar com a menina, com a intimidade de velhos conhecidos que somos. E eis que me aparece um homem alto, bonito e bronzeado, sorrindo:
“Olá, muito prazer, sou o Beto, pai da Natália. Vocês são quem mesmo?”
Respondi que eu era a mãe do Benjamin, e que eu conhecia a Natália desde que ela tinha uns seis meses. Que ela já foi brincar lá em casa, já almoçou conosco, entre outras coisas. Qual foi minha surpresa quando ele não demonstrou nenhum constrangimento por sequer ter ouvido falar destas pessoas tão próximas da filha.
“Ah, sim, a babá deve conhecer vocês, né? Tem muita gente que não conhecemos, sabe como é, trabalhamos muito”.
Tem uma outra criança que mora aqui no nosso prédio, que já deve estar lá pelos seus sete anos, cujo pai também jamais apareceu em público. Fico intrigada por nunca ter encontrado esta criatura, mesmo morando no mesmo endereço. A mãe só vi duas vezes – e, nas duas, ela se justificou que o casal trabalha tanto que mal consegue conhecer os vizinhos.

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